quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Preservando nossos Pacientes Especiais

A preocupação com as complexidades da saúde do paciente às vezes tornam o atendimento tão ortodoxo que impede de buscar soluções adequadas às idiossincrasias de cada indivíduo.

 
“É muito mais importante possuir compreensão clara dos princípios gerais, sem considerá-los leis fixas e definitivas, do que sobrecarregar a mente com um conjunto de técnicas minuciosas… Para o pensamento criador é mais importante ver a floresta do que as árvores”. - William Beveridge

William Beveridge foi um economista e reformador social que trabalhou com Sir Wiston Churchill, Primeiro Ministro Inglês, na reconstrução da Grã-Bretanha, durante e após a Segunda Grande Guerra. Beveridge recomendava que o governo inglês encontrasse formas de combater os cinco grandes males da sociedade: a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade. O Plano Beveridge, de 1942, era um plano de segurança social extensiva, baseado no argumento da universalidade, posto que as necessidades não atendidas repercutissem sobre toda a sociedade, portanto, todos deveriam ter acesso aos serviços de saúde.

Mas, e daí? O que tem Beveridge a ver com os pacientes com necessidades especiais? Você deve estar se perguntando. Nada. Ou tudo, se olharmos suas palavras com carinho. Se analisarmos os males a que se refere o economista, todos têm praticamente uma ligação com os PNE, e mesmo a ociosidade mostra o descaso em que muitas vezes são tratados esses pacientes. Porém, fundamentado em questões sociais do século passado, Beveridge ainda nos brindou com uma citação, a qual nos remete à essência da Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais: a necessidade de sermos criativos.

Não, não se trata aqui de abdicarmos de uma forte base de estudos e do rigor científico, mas a questão é: apenas os especialistas conseguirão dar conta da alta demanda que essa população requer?

Os dados mais recentes do Conselho Federal de Odontologia mostram que apenas 445 profissionais são especialistas na área, e esse número tende a crescer lentamente devido ao pouco empenho de direções das faculdades e de entidades profissionais.

Tradicionalmente, a Odontologia tem sido focada em técnicas educacionais e motivacionais para prevenir ou controlar as doenças bucais. Os profissionais de Odontologia têm procurado oferecer aos pacientes programas eficazes de tratamento, mas não há “receita de bolo” para tratar esse paciente. Pacientes com necessidades especiais requerem criatividade, imaginação, experimentação e pesquisa, por isso para a realização de um plano realístico de tratamento é necessário o conhecimento da causa das patologias nesses indivíduos.

As classificações existentes, mesmo idealizadas com afinco por quem as propõem, ainda são discutíveis; e fica difícil entender os PNE sem o uso da criatividade (…) e experiência prática.
A criatividade parece não ser tão desenvolvida quando do ensino de Odontologia. Claro que existem mestres preocupados em desenvolver seus pupilos no decorrer dos cursos, mas geralmente eles se pautam em seguir a programação pré-concebida e tchau.

Levando em conta a Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, a situação é mais contundente (isso quando a escola se dispõe a “ensinar” essa disciplina para seus graduandos).

A preocupação com as complexidades da saúde do paciente às vezes tornam o atendimento tão ortodoxo que impede de buscar soluções adequadas às idiossincrasias de cada indivíduo.
Afinal quem é esse “paciente”? Inicialmente eram indivíduos que apresentavam desvios de padrão de normalidade, especificamente deficiência física e intelectual, e foram denominados “pacientes excepcionais”.

Em 1981, sob os auspícios da Associação Americana de Odontologia (ADA), os periódicos da Associação Americana de Dentistas de Hospitais, da Academia de Odontologia para Pessoas com Deficiências e da Sociedade Americana para Odontologia Geriátrica uniram-se para formar um único periódico: Special Care in Dentistry (SCD). Esta foi a primeira vez que o termo “special care” (cuidados especiais) foi usado dentro da profissão.

Glassman e Miller, em 1998, propuseram que o termo “paciente com necessidades especiais” se referia às pessoas que apresentavam deficiências médicas, sociais, psicológicas ou físicas. Isso tornava necessário modificar o curso normal de um tratamento odontológico.

Para Ettinger, os termos “Special Care Dentistry” e “Special Needs Dentistry” se tornaram, essencialmente, sinônimos.

Com o passar dos anos, essa terminologia “paciente excepcional” acabou por se tornar extremamente restritiva e foi substituída por “paciente especial”, por ser mais abrangente e por englobar outras alterações além das deficiências físicas e intelectual. Atualmente, o termo “paciente com necessidades especiais” (PNE) é considerado mais elucidativo.

Com o conceito de “limitação de capacidade” utilizado pela Organização Mundial da Saúde, estima-se que hoje, no Brasil, mais de 100 milhões de pessoas estejam direta ou indiretamente envolvidas com pessoas com necessidades especiais.

Obviamente não podemos depender apenas dos especialistas e dos abnegados profissionais, que tentam de uma forma ou de outra dar algum tipo de atenção aos PNE, mesmo sem mínima formação técnica. Precisamos de todos que possam ajudar. Estudem um pouco mais, peçam ajuda a quem tem mais experiência, mas principalmente sejam criativos.
Garanto para vocês, sem estudos mais aprofundados, 50% daqueles que consideramos “especiais” são tratados por qualquer cirurgião-dentista formado no mês passado.

Os números parecem exagerados, se não tivermos boa vontade. Mas são números expressivos e que apesar da frieza com que são apresentados significam gente, pessoas que estão ao nosso lado, fazem parte do nosso pedaço, vão à nossa praia, freqüentam nosso shopping.

Você não está vendo? Olhe para o seu lado! Se necessário, abra mais o olho! Se ainda não conseguiu ver, tente olhar para dentro de si mesmo!

A sociedade generosa, boa de viver, será aquela na qual houver justiça social somada à liberdade democrática e à sustentabilidade, isto é, ao respeito à natureza e preservação de seus recursos e de seus participantes. Preservemos nossas “florestas” e nossas “árvores”.


José Reynaldo Figueiredo:
Cirurgião-Dentista. Odontopediatra. Especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais.

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